O QUE É UMA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR?
Uma associação de proteção veicular é uma sociedade civil de direito privado sem fins lucrativos. Isso quer dizer que ela opera sem visar o lucro, por meio da união de pessoas com o objetivo comum de proteger seus veículos contra possíveis danos.
Quanto ao aspecto fato jurídico, as associações adotam dois modelos de operação, ora isolada, ora conjugadamente, o primeiro deles, constituído por um fundo mútuo ou mediante contribuições periódicas dos próprios associados, já o segundo, esse toma a forma de rateio dos prejuízos advindos de eventos danosos e efetivamente apurados, como acidentes, incêndios, colisões, furtos ou roubos, etc.
A associação por excelência é aquela que não faz de suas ações e finalidades sociais um mister econômico; ou, pelo menos, que não desempenha atividades econômicas como um fim em si mesmo.
AS ASSOCIAÇÕES DE GRUPO RESTRITO DE AJUDA MÚTUA – MUTUALISMO
As associações de proteção veicular também são caracterizadas como grupo restrito de ajuda mútua, o que difere sua atividade de uma seguradora.
As associações atuam com o rateio de despesas já ocorridas (certas e passadas), por meio de divisão exclusiva entre os associados, sem qualquer arrecadação prévia.
O valor arrecadado é destinado à integralidade das finalidades do grupo e para o amparo aos associados com despesas ocorridas no mês anterior, ou seja, todos os associados contribuem e, ao final do período, pelos desastres que ocorrerem, o custo é dividido entre eles.
O mutualismo representa, ainda, um movimento associativo, que abrange instituições privadas de solidariedade social, além de englobar a doutrina relacionada a essas instituições. No contexto do seguro mútuo, a doutrina jurídica define-o como “o contrato pelo qual várias pessoas se unem por meio de estatutos para dividir os danos que cada uma delas poderia sofrer em decorrência de determinado sinistro”. (DINIZ, 2009, p. 947).
As associações são entidades jurídicas de natureza privada que têm como objetivo realizar atividades de fins não econômicos. Dentro das associações, não existem direitos e obrigações recíprocas entre os membros, tampouco há intenção de dividir resultados, uma vez que seus objetivos são altruístas, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos, educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos (GONÇALVES, 2010, p. 233-234).
Os membros das associações possuem deveres e direitos estabelecidos tanto no estatuto quanto no ato constitutivo. Além disso, eles devem estar divididos em categorias, nas quais pode haver diferenciação de direitos. Por tanto, para categorias distintas o direito ao voto pode ser concedido ou negado (MONTEIRO; PINTO, 2009, p. 153).
O direito de associação é um direito fundamental que não pode ser suprimido por nenhuma lei, nem mesmo por ato dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário.
ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Recentemente, a Polícia Federal vem deflagrando diversas operações contra as Associações de Proteção Veicular, como se as mesmas, ao exercerem suas atividades estatutárias, estivessem a margem da lei, comercializando seguro “fake”, “ilegal” de veículos.
As associações civis têm sua origem em nosso ordenamento jurídico na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, a qual dispõe ser:
“plena a liberdade de associação para fins que sejam lícitos, vedada a de caráter paramilitar”, conforme o art. 5º, inciso XVII – CF.
Da mesma forma está previsto que:
“As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”, nos termos do art. 5º, inciso XXI – CF.
Na esfera infraconstitucional, temos o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) que qualifica as associações civis como pessoas jurídicas de direito privado, conforme seu art. 44, inciso I.
No âmbito do Direito Civil brasileiro, geralmente, o termo associação é reservado para as entidades sem fins econômicos, enquanto sociedade, para as entidades com fins lucrativos, embora isso não seja estrito, nem seja regra.
Ainda no que se refere ao Código Civil de 2002, no art. 53, além de se afirmar que as associações são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, está previsto que:
“constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”
Este é o posicionamento atual do Código Civil brasileiro, a saber, as associações civis são constituídas pela união de pessoas que procuram se associar com uma finalidade comum, integrando uma associação sem fins lucrativos.
Deste modo, se a intenção da associação é simplesmente o aumento patrimonial da própria pessoa jurídica, a exemplo de um clube recreativo, essa entidade não deve ser encarada como tendo objetivo de lucro (VENOSA, 2018).
O Decreto-Lei nº. 73/66 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências, vejamos o artigo 143, § 1º, traz que as associações de socorro mútuo são diferentes dos seguros empresariais (Sociedades Anônimas).
Vejamos:
Art. 143. Os órgãos do Poder Público que operam em seguros privados enquadrarão suas atividades ao regime deste Decreto-Lei no prazo de cento e oitenta dias, ficando autorizados a constituir a necessária Sociedade Anônima ou Cooperativa.
§ 1º As Associações de Classe, de Beneficência e de Socorros mútuos e os Montepios que instituem pensões ou pecúlios, atualmente em funcionamento, ficam excluídos do regime estabelecido neste Decreto-Lei, facultado ao CNSP mandar fiscalizá-los se e quando julgar conveniente.
O artigo diz que as associações de socorro mútuo que instituam pecúlio em favor de seus associados ficam foram do regime do seguro empresarial. Ainda, traz de forma clara que são para as associações atualmente em funcionamento e não para as associações da época do decreto.
Tal diferença e exclusão ao modelo de seguro privado é exposta também pelo Decreto-Lei 2.063/40 que regulamenta sob novos moldes as operações de seguros privados e sua fiscalização:
Art. 2º – Ficam excluídos do regime estabelecido neste decreto-lei o Instituto de Resseguros do Brasil e quaisquer outras instituições criadas por lei federal, bem como as associações de classe, de beneficência e de socorros mútuos que instituam pensões ou pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias.
A Justiça Federal também reconheceu a legalidade das relações associativista, inclusive aprovando o enunciado de nº 185 na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que reconhece a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.
“Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.” – Enunciado 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
Como se observa, a Constituição não veda o associativismo para proteção dos bens entre os associados e, se o legislador não distingui, não cabe ao intérprete fazê-lo, sob pena de estar modificando a própria norma Constitucional, inclusive restringindo direitos fundamentais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Neste breve artigo, restou demonstrado, à luz da legislação, que as soluções emergentes, que surgiram ao longo dos anos para suprir as demandas de proteção patrimonial da população, são uma realidade observada no nosso País. O fato das entidades mutualistas de autogestão, representadas por associações e cooperativas, não possuírem uma entidade reguladora específica não as tornam inconstitucionais muito menos ilegais.
Com o fim de embasar o presente artigo, foi utilizado como metodologia, a análise da legislação pertinente ao caso, bem como de dados secundários obtidos por meio de pesquisas no web site do Tribunal de Justiça de Pernambuco, bem como revistas e doutrinadores, sendo possível verificar que as Associações de Proteção Veicular possuem garantia constitucional e exercício por meio do associativismo, um direito fundamental de livre escolha, previsto no texto constitucional.
As soluções oferecidas pelas entidades mutualistas de autogestão para riscos patrimoniais automotivos, possibilitam o acesso simplificado e desburocratizado da população à proteção de seus bens. Dessa forma, essas soluções contribuem para a inclusão dos cidadãos que não têm acesso ao mercado tradicional de seguros automotivos, oferecendo-lhes um serviço que preserva seu patrimônio.
Ressalta-se, novamente, que a liberdade de associação assegura também o direito de aderir a qualquer mútua, já que ninguém pode ser obrigado a associar-se, assim como o direito de desligar- -se da associação também é garantido, pois ninguém pode ser obrigado a permanecer associado. Além disso, é reconhecido o direito de dissolver voluntariamente a associação, uma vez que não se pode forçar a existência de uma associação (SILVA, 2013, p. 269-70).
Nesse sentido, foi possível demonstrar a legalidade das Associações de Proteção Veicular, com seu enfoque no ordenamento jurídico brasileiro, desde a sua constitucionalidade, bem como esclarecer a cerca do mutualismos, além de mostrar a Associação de Proteção Veicular como instrumento de inclusão social, à luz da doutrina, da legislação e da jurisprudência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
_____. Decreto-Lei n.º 73, de 21 de novembro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências. Disponível em: < https://bit.ly/43pkUx1>. Acesso em: 25 mai. 2023.
_____. Decreto-Lei n.º 2.063, de 07 de março de 1940. Regulamenta sob novos moldes as operações de seguros privados e sua fiscalização. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/19371946/del2063.htm#:~:text=DECRETO%2DLEI%20N%C2%BA… iza%C3%A7%C3%A3o.>. Acesso em: 12 jun. 2023.
_____. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: < https://bit.ly/3OOEj6b>.
_____. VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos em espécie. Volume 3. 13. ed. São Paulo: Altas S.A., 2013.
_____. BRASIL, 2002. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 de outubro de 2019.
_____. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. III Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2005.
_____. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
_____. MONTEIRO,Washington de Barros;PINTO,Ana Cristina de Barros Monteiro França.Curso de Direito Civil:Parte Geral. 42a. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
_____. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20a. ed. SP: Atlas, 2006.
_____. DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 14a edição, Editora Saraiva, 2009.
Com essa breve síntese, esperamos ter contribuído para o esclarecimento sobre o referido tema.
Por Kassiana Marinho.